Ano de Finados

Bruna Rezende
3 min readNov 2, 2020

--

Foto por Karina Cubillo — Pixabay

Hoje é dia de finados… num ano de finados.

Dificilmente algum de nós não perdeu alguém importante nesse ano sombrio: mãe, pai, filho, filha, irmão, irmã, tio, tia, primo, prima, cunhado, cunhada, amigo, amiga, vizinho, vizinha, conhecido, conhecida. Ou um animal de estimação. Ou uma pessoa que considerava um ídolo, uma referência. Quase todos os dias nas redes sociais tenho visto alguma pessoa lamentando a morte de alguém. E comigo não foi diferente.

Eu perdi minha tia Rosa em maio, depois de onze meses de batalha contra um câncer no fígado. Ela não perdeu essa batalha, ao contrário. Ela viveu mais tempo do que o estimulado pelos médicos. E durante sua vida, viveu intensamente, fez o que mais desejou, viajou muito, dançou muito, comeu muito e amou muito.

Ela foi embora serena, depois de tanto sofrimento, tantas idas ao hospital, sessões de quimioterapia, bolsas de sangue e crises de imunidade baixa. Só que meu coração não aprendeu a lidar com a sua partida. A dor ainda é muito grande. As lágrimas ainda insistem em aparecer sem avisar. Ainda a ouço falar, com a voz meio anasalada e afetada por anos de cigarro, que me trazia paz, amor e sabedoria. Ainda falo com ela, como se tudo isso fosse somente um pesadelo e ela ainda estivesse aqui pra me ouvir chorar as pitangas ou fazer brincadeiras bobas.

Tia Rosa fez algo por mim que nem todo mundo conseguiria fazer: foi pelas mãos dela que eu cheguei ao mundo. Foi pelo trabalho dela que eu saí do ventre da minha mãe e dei as caras para a vida. A partir daquele momento, veio a conexão que nos manteria unidas para sempre.

Eu e minha tia Rosa, no meu aniversário de 1 ano — Arquivo Pessoal

Quando ela se foi, ela carregou consigo mais um fragmento de mim. Já não sou inteira há muito tempo. Cada partida de alguém importante pra mim leva um pedaço do meu coração junto. Só depois de um tempo que vou juntando os “meus cacos”, mas leva um tempo. E nunca é como antes.

O coronavírus, em especial, transformou 2020 nesse triste ano de finados. Sei que todos os anos morrem muitas pessoas no mundo, afinal, é o ciclo natural da vida. Mas nunca vi tanta gente partir assim, de uma vez. Não somente por coronavírus, mas por outros fatores também, como foi o caso da minha tia. Aliás, o coronavírus afetou até mesmo a despedida. Minha tia, que sempre ia nos velórios e enterros de amigos, parentes e conhecidos, teve poucas pessoas no próprio velório e no enterro. Não por falta de amor, que ela tinha de sobra. Poderia encher dois grandes ônibus inteiros só com pessoas para vê-la. Porém, por conta da pandemia, somente vinte pessoas puderam comparecer ao funeral, que durou duas horas. Isso deixou tudo ainda mais dolorido. Nenhum tempo no mundo é o suficiente para se despedir de alguém importante pra gente.

Pior ainda para os que perderam entes queridos para o corona, que não tiveram a oportunidade nem de uma despedida decente. Não puderam velar, no máximo sepultar com duas pessoas acompanhando. Escolher quem vai ir prestar a última homenagem a alguém é mais um prego de dor acoplado ao caixão de madeira que leva o corpo para a terra. É mais uma tristeza para os corações já combalidos pela perda.

Agora olho para uma das inúmeras fotos com a minha tia e sinto uma vontade imensa de abraçá-la. Faz falta. Demais.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

--

--

Bruna Rezende
Bruna Rezende

Written by Bruna Rezende

Jornalista, escritora, locutora, radialista e uma eterna sonhadora

No responses yet

Write a response